ㅤBIOGRAPHYㅤNinguém nasce esperando que um dia vá deixar de existir. Yuan Zheng certamente não. Ele cresceu em Mong Kok, num daqueles prédios altos, antigos e apertados que parecem sempre prestes a desabar, mas nunca desabam; onde todo mundo conhece todo mundo e os vizinhos discutem como se fossem parentes. A mãe trabalhava longas horas como enfermeira; o pai era policial. Um bom policial, o tipo de homem que acreditava que certas coisas, como ética e integridade, ainda importavam, mesmo quando ninguém mais acreditava.Foi a avó de Yuan quem o introduziu à música. Ela tinha um piano velho, desafinado, que ocupava metade da sala minúscula de sua casa e no qual ela tocava para o neto canções tradicionais chinesas e músicas ocidentais antigas, seus dedos correndo pelas teclas com uma elegância natural. Fascinado, Yuan começou a tentar aprender sozinho; mal alcançava as teclas, mas insistia. Tocava até os dedos doerem, como se aquele som fosse uma forma de respirar.Na adolescência, trocou o piano pelo violão, depois voltou para o piano. Montou uma banda com os amigos do colégio e, juntos, começaram a tentar construir um nome, tocando em cafés e festivais locais. À medida em que começaram a ficar conhecidos no cenário da cidade, Yuan via seu sonho tomando forma; sentia que poderia viver daquilo. A música, o único lugar onde tudo fazia sentido, também poderia se tornar seu sustento. E foi por ter se agarrado tão fortemente a essa esperança que foi tão cruel perdê-la, e perder a si mesmo no processo, de uma só vez.Quando seu pai entrou fundo demais na investigação contra uma máfia chinesa que se infiltrava em Hong Kong há décadas, ninguém imaginou que as coisas fugiriam do controle daquela forma. Ele descobriu nomes importantes, esquemas que envolviam lavagem de dinheiro, extorsão, tráfico. Descobriu gente poderosa demais para ser exposta sem consequências; e as consequências vieram rápido. Antes mesmo que o caso fosse a julgamento, a vida dos Zhang virou alvo. Ameaças veladas, homens desconhecidos seguindo a família pela rua; depois, mensagens diretas. Então, um aviso oficial: era perigoso demais ficar. Foi assim que, da noite para o dia, Zhang Yuan deixou de existir. No programa de proteção, deram-lhe um nome novo — outro nome chinês para não destoar tanto, mas falso o suficiente para apagar rastros: Li Haoran. Disseram que era melhor assim, que facilitaria a adaptação. Não facilitou.Ele foi enviado para Hongdae, em Seul; uma escolha calculada. Um lugar cheio de jovens, artistas, estrangeiros, gente que parece sempre de passagem, o tipo de bairro onde ninguém faz perguntas demais, onde uma nova identidade poderia respirar sem chamar atenção. O bairro era barulhento, pulsante, cheio de música e vida… ironicamente, o oposto do que ele sentia por dentro. Os letreiros de neon, os clubes com filas intermináveis, os músicos de rua tocando baladas coreanas às três da manhã… tudo isso deveria fazê-lo sentir parte de algo. Mas, para ele, era como observar o mundo através de um vidro grosso.Ele não poderia voltar a ser quem era, mas podia continuar tocando. Mesmo escondido sob outro nome, mesmo sem que ninguém soubesse a verdade, a música permaneceu como sua única constante. Ele passou a tocar em bares locais, tentando parecer apenas mais um músico tentando sobreviver. E nesse “tentar” encontrou um lugar para respirar. Li Haoran não é um nome que ele escolheu; é uma máscara, mais confortável do que deveria ser. Mas quando ele se senta ao piano ou segura um violão, não é Haoran quem toca: é o garoto de Hong Kong, o menino da sala apertada, o neto que aprendeu música com uma avó que acreditava no silêncio perfeito entre uma nota e outra. A música é o único elo que ele ainda possui com sua identidade antiga, e ele se agarra a isso como a única esperança de sua vida.